O Rio não é bom ou mau, é o RIO.
Ele nos dá alimento, hidratação, diversão, transporte, paz, dinheiro, mas também nos causa medo, espanto e horror.
Por esses dias, estamos acompanhando com tamanha tristeza todos os acontecimentos ocorridos a partir da tarde do dia 04/09/2023. O Vale do Taquari vive, provavelmente o momento mais trágico de sua história. Foram dezenas de mortes registradas até o momento, e infelizmente a tendência é que este número aumente ainda nos próximos dias. Foram tantos e tantos lares destruídos e danificados. Prejuízos ambientais e econômicos incalculáveis.
Como seres humanos que somos, temos anseio de encontrar culpados. No entanto, este momento requer união e coletividade para pensar, repensar e planejar detalhadamente para evitar novos eventos catastróficos como este. Apresentamos aqui um breve histórico dos acontecimentos que foi possível obter nos registros em diferentes canais de comunicação. Ressaltamos que este histórico não tem qualquer intuito de apontar culpados, mas servirá para repensar a nossa atuação futura. Novamente, não é para apontar culpados.
O Rio Grande do Sul tem passado por diversos eventos meteorológicos extremos ao longo do ano de 2023. Somente nos meses de junho e julho foram quatro ciclones extratropicais[1] que causaram perdas de vidas humanas e estragos socioeconômicos e ambientais de grande monta. Os meteorologistas da Defesa Civil Estadual comentaram[2] sobre os ciclones extratropicais no Estado, bem como dos grandes volumes de precipitação em curto espaço de tempo.
Este evento catastrófico na Bacia Taquari Antas começou a acontecer dias antes do seu ápice na porção baixa do Vale do Taquari. A MetSul Meteorologia alertava[3] em 31 de agosto sobre chuvas extremas, tempestades e inundações no início do mês de setembro. Ainda nesta esteira, o mesmo canal emitiu alerta[4] em 01 de setembro para precipitações com volumes excepcionais de até 300mm a 500mm nos primeiros 10 dias do mês. A Defesa Civil Estadual também emitiu diversos avisos e alertas[5] sobre temporais, eventual queda de granizo e rajadas de vento desde o dia 1º de setembro.
As precipitações iniciaram no sábado (02/09) e seguiram até a noite de segunda feira (04/09). Nos dias 2 (sábado), 3 (domingo) e 4 (segunda-feira) foram registrados volumes expressivos em diversos pontos mais altos da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas. Na região de Passo Fundo ocorreram diversos problemas em função das chuvas. A GZH noticiava[6] volumes de 328mm em apenas quatro dias em Passo Fundo, causando diversos problemas com danificação de casas, estradas destruídas e moradores ilhados. A MetSul trazia um compilado[7] de informações de estações oficiais sobre as precipitações no Estado, em especial da porção alta da bacia, ficando superior a 200mm. Ainda na reportagem da MetSul, tem-se registros de 291mm em Passo Fundo, 281mm em Serrafina Corrêa, 225mm em Cambará do Sul e 211mm em Vacaria nas estações do INMET. Em três dias, nas estações do CEMADEM foram registrados 310mm em Passo Fundo, 279mm em Vacaria e outros montantes significativos na parte alta da bacia. Ainda na reportagem da MetSul, foram elencados dados de estações particulares na região de Passo Fundo (346mm) e Carazinho (389mm). Portanto, as precipitações volumosas previstas por alguns organismos para a Bacia Hidrográfica Taquari/Antas se concretizaram.
Ainda nesta esteira, cita-se dois exemplos dos problemas causados pelas precipitações já no final do domingo, dia 03/09. O município de Santo Antônio do Palma, localizado nas cabeceiras do Rio Guaporé, registrava fortes chuvas e inúmeros pontos de alagamentos ainda no final do dia 3 de setembro, intensificados na madrugada e início da segunda feira. Conforme dados da região, a precipitação no município superou os 350mm.
Toda água que precipitou nas porções mais elevadas da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas teria que passar por algum lugar. E rapidamente pode-se perceber por onde isso aconteceria. Os rios e arroios encheram entre o final do domingo e início da segunda feira, culminando com a elevação rápida dos afluentes do Rio Taquari/Antas. Na segunda pela manhã já era possível perceber a elevação dos maiores afluentes e do Rio das Antas. No entanto, o primeiro “alerta para enxurradas, cheias de rios, inundações gradativas” da Defesa Civil Estadual aconteceu somente no dia 04 de setembro às 10h22min[8]. Neste momento, o nível do Rio das Antas, na altura da cidade de Santa Tereza[9] já era 2,5x superior ao início do dia 03 de setembro.
Outra situação agravante ao cenário atual, é a ocupação ilegal das Áreas de Preservação Permanente – APPs dos cursos hídricos ao longo da história. Apesar de se ter legislação desde o Código Florestal de 1965, Lei Federal 4.771[10], pouco foi feito no sentido de controle e fiscalização da ocupação destes espaços. A referida lei mencionava que a APP teria largura conforme a largura do curso hídrico. No entanto, era mais conservadora e protetiva quando se referia que a medição a APP iniciava “desde o nível mais alto” da água, ou seja, a partir do ponto de maior inundação. Esta medida apresentava critério mais restritivo e protetivo para a vida humana e questões ambientais.
Entretanto, o que vemos nos últimos anos é movimento contrário com aproximação da ocupação humana dos cursos hídricos. No início e meados de 2021, logo após a maior inundação em 64 anos no Vale do Taquari[11], houve movimento para redução das APPs do Rio Taquari. Neste período, veio ao conhecimento do grande público, que tem-se ventilado na região a redução das APPs do Rio Taquari[12] com apoio de diversos chefes do executivo da região.
Somando a ocupação ilegal das APPs dos cursos hídricos, tem-se um agravamento da degradação destes espaços com o passar dos anos. A falta de políticas públicas de fiscalização, conservação e recuperação destes espaços. A falta de educação sobre a importância da preservação das APPs. O uso inadequado para diversos tipos de atividade, principalmente agropecuária e ocupação urbana. Estes e outros aspectos tem agravado a situação degradacional em que se encontram as margens de quase a totalidade dos cursos hídricos da região baixa do sistema hidrográfico Taquari-Antas.
Aliado a isso, o uso intensivo e a utilização de práticas inadequadas na agropecuária tem gerado significativo prejuízo ao solo. O que se vê é a degradação constante e a intensificação de processos erosivos e perda de solo, principalmente nas lavouras de cultivos anuais. A perda de solo na agricultura acarreta em assoreamento dos cursos hídricos. Consequentemente, gera diminuição da profundidade do leito e aumento da área de ocupação das águas em eventos de cheias e inundações.
Ainda sobre a degradação do Rio Taquari e suas margens, tem-se grande gama de fatores de degradação neste importante curso hídrico. Pode-se citar[13] a poluição hídrica por diferentes tipos de poluentes (sendo os principais os esgotos industriais e efluentes sanitários, dejetos animais, agrotóxicos e diversos tipos e grandes quantidades de resíduos sólidos), erosões de grandes proporções em seus taludes, assoreamento devido a uso inadequado do solo, desmatamento e ocupações irregulares em suas margens, péssima qualidade da água[14], degradação extrema com dificuldade ou mesmo incapacidade de recuperação sem intervenção[15]. Estes e outros problemas tem ocasionado a deterioração do Rio Taquari.
O sistema de monitoramento do Serviço Geológico do Brasil - CPRM[16] apresentou falhas e parou de funcionar nas estações de Muçum, Encantado e Estrela. Justamente no período mais crítico, o sistema apresentou instabilidade e falha. Em algumas das estações, como a de Muçum, voltou a funcionar no dia 08/09. No entanto, em Encantado e Estrela não estava funcionando até o dia 09/09.
Outro ponto importante é a publicação da Política Nacional de Defesa Civil[17], em 2012, a qual prevê, dentre outros objetivos, a redução dos riscos de desastres e produzir alertas antecipados sobre a possibilidade de ocorrência de desastres naturais. No entanto, um item extremamente importante que prevê a identificação e mapeamento das áreas de risco de desastras, delegado para competência municipal, pouco ou nenhum avanço ocorreu neste sentido.
Considerando os acontecimentos recentes e histórico de eventos hidrológicos na região do Vale do Taquari, resta claro que precisamos evoluir e avançar em vários pontos. Neste sentido, elencamos aqui alguns itens que devem ser considerados para diminuir e evitar danos em novos eventos catastróficos como este.
Nós, da DuoTeB Engenharia ficamos a disposição para discutir o assunto e avançarmos. Entendemos que é tempo de ação e execução para evitar novos acontecimentos como este.
Caloroso abraço a todos.
[1] https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/novo-ciclone-extratropical-atinge-o-rio-grande-do-sul-hoje-veja-onde-vai-passar/
[2] https://estado.rs.gov.br/meteorologistas-explicam-recorrencia-de-ciclones-e-previsoes-para-o-inverno-e-para-a-primavera-no-estado
[3] https://metsul.com/setembro-comeca-com-chuva-extrema-onda-de-tempestades-e-enchentes/
[4] https://metsul.com/alerta-chuva-vira-com-volumes-excepcionais-de-ate-300-mm-a-500-mm/
[5] https://www.defesacivil.rs.gov.br/avisos-e-alertas?pagina=3&ordem=RECENTES
[6] https://gauchazh.clicrbs.com.br/passo-fundo/geral/noticia/2023/09/com-328-milimetros-em-quatro-dias-passo-fundo-vai-enfrentar-mais-chuva-nesta-semana-clm6sjxde004h016nsqf32g40.html
[7] https://metsul.com/chuva-de-quase-400-mm-mortes-e-destruicao-no-norte-gaucho/
[8] https://www.defesacivil.rs.gov.br/alerta-para-enxurradas-cheias-em-arroios-inundacoes-gradativas
[9] https://www.sgb.gov.br/sace/index_bacias_monitoradas.php?getbacia=btaquari
[10] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4771.htm
[11] https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2020/07/cheia-no-rio-taquari-e-a-maior-em-64-anos-diz-prefeito-de-lajeado-desabrigados-precisam-de-moveis-e-utensilios-ckckgqinw001l014764c17zs0.html
[12] https://grupoahora.net.br/conteudos/2021/05/12/app-de-15-metros-no-rio-taquari/
[13] https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/133655/000985357.pdf?sequence=1
[14] https://grupoahora.net.br/conteudos/2022/05/16/analise-aponta-condicoes-pessima-e-ruim-de-rios-e-arroios-do-vale/
[15] https://www.jornalpontoinicial.com.br/2023/01/03/meio-ambiente-estudo-de-tcc-constata-que-margens-do-rio-forqueta-nao-apresentam-capacidade-necessaria-para-a-restauracao-da-sua-cobertura-vegetal-de-forma-natural/
[16] https://www.sgb.gov.br/sace/index_bacias_monitoradas.php?getbacia=btaquari
[17] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12608.htm